Os Neurônios Gandhi

2 de mar. de 2010 by Mari Craveiro


Tradução livre:
Eu gostaria de abrir falando sobre o cerébro humano, este pedaço de carne que você pode segurar na sua mão e que pode contemplar a vastidão do espaço estelar, o significado do infinito, questionar o sentido da própria existência, da natureza de deus e é uma das coisas mais interessantes do mundo, é o maior  mistério que o ser humano confronta, como ele funciona, etc.
O cérebro é feito de neurônios, são 100 bilhões num cérebro adulto. Cada neurônio faz entre 10 mil e 20 mil contatos com outros neurônios no cérebro e de acordo com alguns estudos, o número de permutações e combinações de atividades do cérebro excede o número de partículas elementares no universo.
Uma das abordagens para se estudar o cérebro é olhar para pacientes que tiveram lesões no cérebro e estudar as mudanças causadas em seus comportamentos, que foi o tema da minha última palestra. Hoje, eu vou falar de uma outra abordagem de estudos que é a colocação de eletrodos em partes diferentes do cérebro e realmente gravar as atividades individuais das suas células nervosas dentro do cérebro.  Uma descoberta recente importante apontou a existência de um grupo de neurônios chamados Neurônios Espelhos que se localiza no lobo frontal do cérebro. Existe um outro grupo ordinário de neurônios, localizados também na parte frontal,  que são chamados de neurônios comandantes motores, conhecidos há mais de 50 anos e que são os responsáveis por acionar os movimentos, ao executar qualquer ação. Cada movimento é fruto do comando de um neurônio diferente deste grupo. Cerca de 20% destes neurônios comandantes motores disparam igualmente suas ordens simplesmente ao perceber a ação de outra pessoa, ou seja, eles agem adotando o ponto de vista do outro, simulando uma realidade virtual da ação de outra pessoa. Isto significa que eles agem por imitação e emulação, porque para imitar uma ação complexa, o cérebro deve adotar o ponto de vista de outra pessoa.
Por que isto é importante? Olhando para o fenômeno da cultura e voltando para a história da evolução humana, entre 75 mil e 100 mil anos atrás,  você vê o surgimento repentino de habilidades importantes únicas ao ser humano que se espalharam rapidamente, como o uso de ferramentas, do fogo, de abrigos e, obviamente, da própria linguagem, sem falar na capacidade de entender  a mente do outro e interpretar  o seu comportamento. Isso tudo aconteceu muito rápido. Mesmo o cérebro humano tendo atingido o seu tamanho atual há 300 ou 400 mil anos atrás, há 100 mil anos atrás, todas essas habilidades se espalharam muito rápido e eu credito isso ao surgimento repentino desse sistema sofisticado de neurônios espelhos, que nos permite emular e imitar as ações de outras pessoas. Então, quando ocorre uma descoberta acidental por parte de um membro de um grupo, como o uso de uma ferramenta, ao invés de morrer com aquela pessoa, essa habilidade se espalha horizontalmente através da população ou é transmitida verticalmente através das gerações. Isso faz com que a evolução se transforme repentinamente em Lamarckiana; ao invés de Darwinista. Sob o ponto de vista de Darwin, a evolução é lenta e demora anos para ocorrer. Um urso polar demora milhares de gerações para desenvolver características contra o frio, enquanto que uma criança assiste ao seus pais matarem um urso e transformarem sua pele em casaco e aprende isso em apenas um passo, alguns minutos. Depois, isso se espalha em proporções geométricas. Este sistema de imitação de habilidades complexas é a base do desenvolvimento da cultura em nossa civilização.
Existe um outro tipo de neurônio espelho que se desenvolve de maneira diferente. Existem neurônios espelhos para a ação e existem neurônios espelhos para o toque. Em outras palavras, se alguém me toca na minha mão, os neurônios que estão numa parte do cortex e que reagem a sensibilidade disparam. Mas, em alguns casos, estes mesmo neurônios disparam também ao assistir outra pessoa ser tocada, como se estivessem reagindo por empatia ao toque sentido pelo outro. Assim, a maioria dos neurônios dispara quando somos tocados, dependendo da região (um neurônio diferente para cada toque e local) e alguns também disparam ao testemunhar um toque em outra pessoa, no mesmo local em que somos tocados. É como se estes neurônios espelhos estivessem desenvolvendo uma espécie de empatia por outros neurônios, localizados em outros cérebros. Então, porque não ficamos confusos quando assistimos outra pessoa sendo tocada e sentimos o toque também?  Porque nós temos receptores em nossa pele que estão dizendo para o cerébro "não se preocupe, você não está sendo tocado". Ou seja, "tenha empatia por outra pessoa, mas não sinta exatamente a mesma coisa, do contrário, você ficará confuso". Estes receptores funcionam como um feedback que impede que sejamos capazes de sentir conscientemente a mesma coisa que o outro está sentindo. No entanto, se você anestesiar corretamente o seu braço, removendo sua sensibilidade, e você assistir a outra pessoa ser tocada na mão, você vai sentir literalmente na sua mão este toque. Você retira as barreiras que te separam de outro ser humano. Por isso, eu os chamo de Neurônios Gandhi ou Neurônios da Empatia. E isto não é no sentido abstrato e metafórico, tudo o que te separa do outro é a sua pele. Retire ela e você vai sentir a experiência de toque do outro na sua mente. Você dissolve as barreiras entre você e um outro ser humano. E isto, logicamente, é a base de boa parte da filosofia oriental, de que não há um EU real independente de outros seres humanos, inspecionando o mundo e as outras pessoas, nós estamos todos conectados não apenas no facebook ou na internet, nós estamos literalmente conectados através de nossos neurônios. Há uma grande corrente de neurônios nesta sala falando um com os outros e não há uma distinção real entre a sua consciência e a consciência de outra pessoa. E isso não vem da filosofia, mas do entendimento básico da neurociência.
Existem pacientes que perderam um membro e ainda sim são sensíveis a ele, e quando sentem dor, eles se sentem aliviados simplesmente ao assistirem uma massagem no mesmo membro de outra pessoa.

Durante muito tempo, olhamos a ciência como estando  muito distante das humanidades, como se fossem duas culturas distantes,  que nunca poderiam se encontrar. O que eu acho é que os Neurônios Espelhos são uma interface que nos permite pensar em questões como a consciência, a representatividade do EU, o que te separa de um outro ser humano, o que faz sentir empatia ao outro e coisas como a emergência da cultura,  única ao ser humano, em nossa civilização.

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